O que o Papa aprenderia se jogasse videogame.

 Recentemente, o Papa, mais uma vez, pediu a paz aos países que estavam em guerra ou pretendiam iniciar uma guerra.
 Será mesmo que ele acredita que, apenas com um pedido e uma oração, os dirigentes desses países pensarão: "Ah, quer saber, deixa essa guerra pra lá, me dá aqui um abração!"? Será que o Papa é tão ingênuo assim?
 Se o Papa tivesse jogado um videogame de estratégia chamado "Lords of the Realm 2" ele saberia que não é assim que a humanidade funciona.
 "Lords of the Realm 2" é um antigo game de estratégia, muito semelhante aos jogos da série "Total War", com uma mistura de administração e combate.
 Existem 3 tabuleiros no jogo. Um é o mapa geral, que mostra as fronteiras dos reinos (baseados na Europa Medieval), os domínios e a movimentação das tropas; outro é o terreno de combate, que se forma quando exércitos se encontram e o jogo entra em fase RTS (estratégia em tempo real); e o terceiro é uma representação de cada reino, é onde o jogador administra seus recursos.
 Essa fase administrativa é muito importante, pois é a partir dela que o jogador consegue armas e soldados para a fase de combate.
 Ao contrário das fases de combate, que ocorrem rapidamente com base em algumas decisões estratégicas, as fases administrativas são desgastantes, exigem muitas decisões e planejamento, principalmente se o jogador possuir vários territórios.
 Essa fase administrativa envolve colocar a população para trabalhar na produção de alimentos, mineração, treinamento militar, etc.
 Outro detalhe interessante do jogo é que você disputa o continente com outros 4 nobres, controlados por inteligências artificiais capazes de detectar ameaças e fazer ameaças, propor alianças, etc.
 Em uma das partidas, decidi adotar uma estratégia pacífica: dominei rapidamente os territórios neutros, fiz alianças com os nobres mais próximos (mesmo tendo que pagar alguns tributos para eles) e fiquei só cuidando dos meus territórios, deixando os outros nobres brigando e se enfraquecendo.
 A estratégia começou bem, dei sorte dos aliados vizinhos honrarem seus acordos após receberem seus tributos e meus territórios seguiam prosperando.
 Porém, lá na frente, minha estratégia começou a ruir, e eu corria o risco de perder todos os meus territórios mesmo sem sofrer nenhum ataque externo.
 Para explicar este paradoxo, terei de fazer uma pequena tese de mestrado sobre

"A Alocação de Recursos Agropecuários
em "Lords of the Realm 2""
(calma, Papa, chegaremos já já na parte da guerra)

 Cada território tem uma determinada quantidade de terrenos que podem ser utilizados para plantio de trigo ou criação de gado.
 É dessa atividade que vem a alimentação da população daquele território.
 Você pode decidir também quantas refeições a sua população terá: Quanto mais refeições, mais feliz fica o seu povo; se as refeições forem racionadas ou acabarem, a insatisfação do povo aumenta.
 Quanto mais feliz a população, maior é o índice de reprodução; e quanto mais infeliz, maior a possibilidade de formação de exércitos rebeldes em suas terras.
 Voltando para a agricultura: quanto mais pessoas trabalhando no campo, maior é o retorno da terra, porém, existe um limite de acordo com a quantidade de terrenos; atingido esse limite, não adianta colocar mais pessoas trabalhando que a produção de alimentos não vai aumentar.
 É aí que a coisa começou a complicar: Mesmo colocando esse excesso de população em outras atividades produtivas, a troca desses produtos por alimentos no comércio externo não gerava refeições satisfatórias para todos.
 Mesmo com o consumo reduzido, a produção de alimentos não dava conta, e os estoques estavam baixos.
 Por experiências anteriores, eu sabia que exércitos rebeldes estavam para surgir em meus territórios.
 O quê fazer?
 Eu reuni todas as tropas de uma região e ataquei traiçoeiramente um dos meus aliados. Conquistei seu território, mas meu problema continuava: tinha conseguido as terras e os estoques deste novo território, porém também tinha novas bocas para alimentar lá, e ainda faltavam alguns turnos para colher o trigo.
 Todas as minhas armas já estavam sendo utilizadas para equipar novos soldados, a era de paz tinha acabado.
 Mesmo com as vitórias, o risco de rebelião por falta de alimentos continuava. Minhas conquistas só estavam aumentando a minha população.
 Situações desesperadas exigem medidas desesperadas: mesmo não tendo armas, recrutei vários soldados e os enviei para a guerra.
 Eles lutaram apenas com seus rastelos e, quase que em sua totalidade, morreram.
 A intenção dessas tropas de rasteleiros não era ganhar os combates: serviam apenas para mobilizar os exércitos inimigos para pontos menos estratégicos e diminuir a minha população.
 Em pouco tempo, a alimentação estava estabilizada e a satisfação popular voltava a aumentar.
 Voltando para a nossa realidade, é fato que os recursos terrestres são limitados, ao contrário da capacidade de reprodução humana.
 A ciência humana até poderia criar novos meios de multiplicação dos recursos, mas muito mais empenho é aplicado em avanços de cirurgia plástica peniana do que em sustentabilidade.


 Resumindo toda essa dissertação para o Papa: Cada vez que ele diz "Crescei-vos e Multiplicai-vos", ele incentiva a humanidade a dar mais um passo em direção à guerra.

Comentários

  1. Caraca. Muito bom o seu post. Deixa uma visão de certos fatos atuais em xeque.



    PS: Sobre o jogo, ele faz toda essa simulação que você citou acima?

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    1. Me diverti muito com o "Lords 2", não sei se, com a modernização dos games, o jogo ficou um pouco ultrapassado.
      Recomendo muito. As disputas com as IAs era muito interessante, dava uma imersão bem grande nesse universo de tramas e intrigas reais.

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  2. Com a revolução industrial os grilhões que aprisionavam o poder produtivo da humanidade foram rompidos, somos capazes de produzir em larga escala, mas infelizmente, desperdiçamos uma enorme quantidade de alimentos, que vão para o lixo ou apodrecem enquanto aguardam preços mais vantajosos. Apesar disso, mesmo que ocorresse a interrupção deste desperdício, vivemos muito mais do que nossos ancestrais, e aumentamos a população em um número muito superior ao qual os recursos finitos do planeta poderão suportar, sendo assim, concordo plenamente, "crescei-vos e multiplicai-vos" é uma ordem que fatalmente condenará nossa espécie (caso uma grande guerra ou uma doença mortal não ajuste os números).

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    1. A Revolução Industrial já estava dando uma dica de que o ser humano era uma peça bem barata na brincadeira global, agora então, com o excesso de oferta...

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  3. Seu idiota, você deveria escrever O Que um Filhadaputa Aprenderia se Lesse a Bíblia!

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